Gurdjieff foi um mestre bastante controverso, assim como Aleister Crowley (os dois inclusive se conheceram). Apesar de vários livros sobre ele, acredito que a melhor introdução a Gurdjieff é de uma obra chamada O Oculto, de Colin Wilson. Gurdjieff tem toda uma doutrina baseada no Trabalho (assim, com letra maiúsculas como ele usava). Para ele, o ser humano está sempre adormecido e condenado a agir como um autômato e somente um grande esforço intencional (o Trabalho) é capaz de fazê-lo acordar, quando então o ser humano pode ver tudo muito claramente (se percebe acordado enquanto todos dormem).
O problema é que isso dura pouco tempo, mas deixa marcas impressionantes na mente. E o homem tendo esta experiência fará tudo para torná-la cada vez mais frequente e duradoura. Mas como conseguir "acordar"?
Para Gurdjieff, o Trabalho é a chave. Em seu instituto ele recebia gente de toda Europa e EUA nesta fase áurea do ocultismo europeu. Todos tinham de trabalhar como num mosteiro, e o que você mais detestaria fazer? Se respondesse "limpar o chiqueiro", era isso mesmo que você iria fazer. Depois disso você aprenderia a fazer vários outros trabalhos manuais como artesanato e ofícios. Por fim, tinha a dança.
Gurdjieff era contra o fanatismo, razão pela qual qualquer um podia ir embora e recebia pessoas que soltaram tudo para viver lá até integrantes de famílias ricas da Europa que viam no Instituto uma entidade cultural onde se aprendia coisas do misterioso oriente. Tinha de tudo. Nada de sistemas iniciáticos misteriosos ou escolas de mistérios. Gurdjieff achava que se mal o homem está acordado, muito menos pode tirar proveito dessas coisas. Acontece que Gurdjieff passou grande parte de sua vida como um andarilho buscando essas coisas no oriente. E suas técnicas mais avançadas eram ensinadas apenas aos discípulos mais dedicados como Demianovitch Ouspensky.
Existem vários exemplos do Trabalho tirados da própria história do instituto. Em um deles um integrante tinha de cavar e cuidar de um jardim. Após várias semanas começou a ficar irritado e cansado. O ser humano, que está sempre "dormindo", reage violentamente quando tirado de seu estado de conforto. Mas quando se lança ao desconforto deliberadamente, seu inconsciente (ou subconsciente) começa a liberar energia de seu enorme oceano inutilizado. Este integrante então resolveu desistir, Gurdjieff deveria ser um maluco e estava enganando todo mundo, pensou ele. Mas como tinha liberdade de ir embora, no último dia resolveu mudar sua atitude mental (como Gurdjieff sempre recomendava) e deixar a rabugice e reclamação de lado, afinal, poderia ir embora a hora que quisesse.
Neste momento algo aconteceu. Ele começou a gostar daquele trabalho, se sentiu eufórico. O homem sedentário começou a sentir-se forte e o cansaço foi embora. Ele gostava daquilo. Na verdade, passou a amar aquele trabalho. O jardim nunca pareceu tão interessante. A simples remoção da atitude mental negativa, associada à liberação de energia do trabalho manual (agora desbloqueada) inundou a consciência. Seus problemas medíocres, antes enormes, perdem a importância. Suas reclamações, seu estado de dormência e conforto, tudo isso passa a ser visto como bobagem.
Infelizmente, como eu disse mais acima, estes momentos passam e o homem volta a dormir. Mas ele já não é o mesmo, e irá trabalhar para tornar esta experiência mais duradoura, pois é um vislumbre muito forte. Fatalmente, voltamos a dormir e dar grande importância às bobagens de nossa vida medíocre.
O "sincretismo" que realizo entre Magick e Gurdjieff reside na seguinte pergunta: O que de fato libera energia para realizações mágicas? Acender uma vela, fazer uma visualização, oferta ou o trabalho dedicado e intencional que tenho ao fazer estas coisas? Acredito que são as duas coisas, porém dou mais importância à liberação de energia do trabalho consciente, pois assim até um exercício físico, lavar pratos e o que vier se transformam em fontes de energia, ainda que eu dê grande valor estético às ofertas cerimoniais. Nos altares a ABRALAS, por exemplo, não parece que aqueles mais caprichados demandaram mais trabalho, boa vontade e consequentemente mais energia?
Gurdjieff acredita que jogamos no lixo todos os dias um caminhão de energia trabalhando como robôs e alimentando involuntariamente formas de pensamento que nos sabotam. Trabalhando conscientemente posso carregar um sigilo até lavando pratos enquanto me concentro no trabalho e mantenho fixo o sigilo na mente (ao mesmo tempo). Algo muito útil para nossa realidade cotidiana e um ótimo aproveitamento de energia. Tive alguns resultados muito bons carregando e lançando sigilos desta forma, energizando com vários tipos de atividades manuais. A mesma coisa para servidores.
O projeto de Gurdjieff é de longo prazo e demorado, mas a Magick atende a esta infinita miríade de necessidades humanas imediatas. E se a energização é fundamental nas artes mágicas, o Trabalho de Gurdjieff me pareceu perfeito para isso. É assim que eu faço este sincretismo.